terça-feira, 12 de maio de 2009

Mea culpa

Quis despejar por terra as primícias do vómito que me gazeavam as entranhas. Quis espojar-me nelas. Aos que inadvertidamente por aqui transitaram enojei com tamanha fealdade e comecei a acreditar que essa fealdade era eu. Depressa me arrependi, porque o lodo que em catadupa extraía era um eu irreflectido e nauseado, era uma vontade de conspurcação, gratuita, um desejo de infringir a rectidão das linhas com que tentei equilibrar-me acima de outros desfiladeiros. Alimentei assim o pueril desejo de antecipar-me ao tempo e atravessar o Letes. Uma vez aí, mais cego que nunca, esquecer-me-ia de mim, não mais veria o caminho para por lá errar indefinidamente que nem vulto irreconhecível. Porém, um dia, longínquas me chegaram as vozes de Hades e Perséfone, conferenciando dos abismos do submundo, lá onde só entra quem tem voz. E não sei porquê, mas lembrei-me da descida do herói para aconselhar-se com Tirésias. E eu, ser bem mais inferior, mas melhor conhecedor dos meus limites, já só penso agora no regresso a casa.

3 comentários:

  1. Não há culpas quando somos e nos expomos num todo cru, nós nas diversas facetas. Na genuinidade negra, na zanga e na revolta. Apenas o calculismo frio, a premeditação e a malicia são feias e repugnam... pior qua as pulguitas desse dia que se rejubilavam. ;)

    Certo, certo é que quando o sangue jorra em fúria de raiva, dá sempre jeito ter à mão, no colo e diante dos nossos olhos, na hora certa, um bode expiatório. Como o meu jorrava e em todo o lado o procurei. Num apontar de dedo para se ou nos distrairmos do nosso próprio negrume.

    E tudo passa... :) para um dia voltar.
    Devires...

    Por agora, home sweet home.
    :)

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  2. Home sweet home. Um dos lemas por que anseio, ansiamos todos. Sabes, surge-me um dilema: demolir este edifício que nasceu torto e recomeçar com novos alicerces ou apagar os vestígios da minhas cruezas irreflectidas ou, para que no futuro não me repita, deixar tudo como está.
    Tudo o mais que quero dizer está no lema circular da tua empática casa. Lema que também a mim me guia, acredita.

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  3. O teu dilema é-me perfeitamente familiar, visto ter já implodido os meus edificios carregados de patologias por quatro vezes. Em todos os posteriores cresceram novas fissuras, infiltrações e diversas espécies de cogumelos em simbiose com o desconforto que vivia neles...
    Parecia que os meus fantasmas se alimentavam do desejo cego de os enterrar. Agora, não corro a cobrir com as mãos os olhos, a virar-lhes o rosto, procurando no que resta deles os traços cómicos, ou a coragem de viver um absurdo, o arriscar de expor as desventuras porque mais ninguém seria capaz.
    A imensa beleza de te ergueres entre os teus, e de viver na magnífica tortura dos teus alicerces sem receio dos palermas ;) enjoados, inspirou-me a que também eu passásse a fazer-lhes frente, a dançar com eles.
    Obrigada... :)

    A minha opiniao: a casa não
    é perfeita como um barbie de plástico, e ainda bem. Oh lufada de ar fresco... que não o seja! :))

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